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Entrevista

Osvaldina fala da luta dos quilombolas do Piauí que chega ao norte do estado
27/11/2008 00:10:55


Osvaldina, quilombola

Por José Marques de Souza Filho
Assessor de Comunicação EMATER
8851 2986


Representando a CCOQ - Coordenação Estadual das Comunidades Quilombolas no Estado do Piauí no início do mês de novembro, no auditório da Unidade Escolar José Nogueira, no Centro do município de Esperantina numa rodada de negociação entre comunidades quilombolas e instituições governamentais e não-govenamentais para definição dos compromissos de cada instituição no atendimento às demandas contidas no Plano de Desenvolvimento de 11 comunidades quilombolas daquela região, Osvaldina Santos, do Quilombo Tapuio, que fica localizado no município de Queimada Nova do Piauí, na região centro-sul do estado, divisa do Piauí com os estados de Pernambuco e Bahia, foi umas das autoridades que fizeram parte da mesa de honra do evento. Nesta entrevista, ela fala de como iniciou o trabalho das comunidades negras do Piauí, ressaltando os avanços já alcançados nos primeiros municípios beneficiados pelo projeto como Paulistana e Picos. Além de elogiar o trabalho do EMATER como uma das instituições decisivas na evolução dos trabalhos e afirmar que o movimento fez a escolha de ter o EMATER como principal parceiro como uma estratégia de ação, ela se mostra bastante animada com os primeiros trabalhos que estão sendo realizados com as comunidades quilombolas no norte do Estado. Confira!

ASCOM/EMATER - Como a senhora está vendo a finalização, neste primeiro momento, de todo um trabalho desenvolvido na região norte do estado aqui em Esperantina?

OSVALDINA - Pra ser sincera, estou muito animada com o encontro, com esta rodada de negociação. Porque é uma atividade que hoje a gente considera a terceira atividade dessa natureza, iniciando a primeira experiência do projeto ATER no Quilombo no município de Paulistana em 2004. A gente trabalhou de abril até dezembro de 2004 com o projeto EMATER/FAO - Organização das Nações Unidas para Agricultura e Alimentação. Esse foi um projeto piloto para trabalhar o resgate da cidadania do povo negro.

ASCOM/EMATER -
É esse projeto que está vindo para o norte do Estado, agora. É isso?

OSVALDINA - Isso! Quando a gente prestou contas do projeto em 2004, as instituições nos alegraram. Disseram que, como o trabalho foi muito bem feito na região de Paulistana, a gente poderia estender o projeto para outras regiões. Então, a gente trabalhou a região de Picos. Trabalhamos com 63 comunidades quilombolas, que hoje estão num nível de produção muito bom. Através das capacitações e do Plano de Desenvolvimento, muitas comunidades estão fazendo a sua própria produção de caju, a questão da mandioca... Agora mesmo em uma comunidade quilombola da região de Picos, a SDR – Secretaria do Desenvolvimento Rural comprou uma produção muito grande de doce de caju, tudo fabricado pela própria comunidade.

ASCOM/EMATER - De forma geral, o que foi exatamente trabalhado nesse primeiro momento?

OSVALDINA - Em 2004, a gente trabalhou capacitação para a questão da ovinocultura, para a questão de remédios caseiros, alimentação alternativa, material de higiene e limpeza, corte e costura, associativismo...Isso na região de Paulistana. Entre eles hoje, nós temos as comunidades de Tanque de Cima, Escondido, Tapuio, Sumidor e São Martins, que estão produzindo muito bem. A horta comunitária, a criação de cabra, a produção da medicina caseira... Nós temos famílias que, quando sai o mês fora, já tem os seus R$ 300, só da venda da medicina caseira, do remédio caseiro.

ASCOM/EMATER - Isso foi o despertar do negro para a cidadania no Estado do Piauí?

OSVALDINA - Com certeza. Mas, a gente iniciou esse trabalho em 1993. Nós achamos que, apesar da gente estar nas pastorais da igreja, no movimento social, no movimento sindical, a gente ainda não estava ocupando nosso espaço enquanto negro e negra. Você estava lá como um todo; como trabalhadeira rural, como alguém da pastoral da igreja, mas você não estava lá de fato como negro e negra. E aí, a gente começou a despertar esse interesse de nos ocupar como cidadãos negros e negras. A gente iniciou participando do encontro em Salvador, em 2000. Na época, no auge dos 500 anos de evangelização, a gente participou do encontro em Salvador...

ASCOM/EMATER -
  Evangelização ou 500 anos do Brasil?
Osvaldina - Os 500 anos de evangelização do Brasil! Aonde o negro foi um desses que chegou não pra ter sido evangelizado, mas pra se evangelizar pelo branco...

ASCOM/EMATER - Como foi esse processo em Salvador?

OSVALDINA - Foi quando a gente fazia uma avaliação. Ou seja, durante esses 500 anos, nós temos o que agradecer, glorificar? Não!!! E porque é que não temos? Por que, na verdade, onde é que está o negro? Olhava pra universidade, cadê o negro e a negra? Não precisa nem ser a universidade, o colégio, por exemplo, cadê o negro e a negra? No mercado de trabalho, cadê o negro e a negra? Os doutorados, cadê o negro e a negra? A medicina? Então, quando a gente olhava pra todos os espaços da sociedade nós não estávamos. Aí, a gente olhava pra terra, cadê o negro e a negra? Cadê a terra? Cadê a moradia pro negro e a negra?

ASCOM/EMATER -
Como é que está o Negro hoje no Piauí?

OSVALDINA - A partir daí, a gente começou a encampar essa luta e elaborar projetos, documentos para o Governo Federal que, naquela época, era o Fernando Henrique...que engavetou. Então, com o governo Lula e o governo do Wellington Dias a gente começou a firmar essa luta de parceria. Hoje, nós o negro e a negra do Piauí, graças à Deus, à nossa participação, estamos em todas as partes. Mas, não é isso só que nós queremos. Queremos levar muito mais. Mas, hoje a gente vai para as Secretarias, está lá o negro. Não para ocupar espaço, como se diz, para cumprir tabela, mas, o negro está lá com poder de decisão. Você passa e olha para a Nega Lúcia (Coordenadora da Casa do Semi-Árido), a Nega Alda (ocupa cargo na Secretaria de Educação do Estado), a Negra Sonia Terra (Presidente da Fundação Cultural do Piauí), enfim... outros negros...você (porque não dizer você – José Marques, assessor de Comunicação do EMATER), Negra Assunção (Coordenadora do Projeto ATER no Quilombo/EMATER). Em fim, a nossa negrada está ocupando pra decidir, com poder de decisão. Nós queremos ocupar o espaço como cidadãos negros e negras. Não para estar lá pra cumprir a tabela de cotas.

ASCOM/EMATER - Como é que está essa ocupação dos negros nos espaços, em nível de comunidade. O trabalho já está chegando ao norte, não é! Como é que está essa organização da coordenação dos negros do Piauí?

OSVALDINA - Hoje podemos dizer que está razoavelmente bem, porque um programa desses, que nem nós estamos discutindo aqui na rodada de negociação é, de fato, para ser administrado por nós negros, gerido por nós negros. Ou seja, quem deve ser o protagonista das ações nas comunidades do próprio negro e a negra, somos nós. As comunidades do território de Paulistana, Picos, quando a gente chega là, a comunidade é que está, de fato, gestando as ações do Governo Estadual e Governo Federal. São as comunidades e as lideranças negras.

ASCOM/EMATER - Como foi a participação do EMATER nesses processos?

OSVALDINA - A participação do EMATER... Quando o Governo Federal chamou a coordenação pra dizer que ela iria implementar as políticas publicas para comunidades quilombolas, a gente chegou a dizer quem  era que ia fazer o planejamento, para apresentar para o Governo e dizer quem a gente queria que trabalhasse com a gente. Então, a parceria e a participação do EMATER com a Secretaria do Governo do Piauí, fomos nós que escolhemos. E porque que a gente queria o EMATER? Por que, na verdade, entre todas as carências das comunidades quilombolas, o que falta é a assistência técnica. O EMATER trabalha com a assistência técnica e aí, a gente pleiteou. Naquela época, o Áureo João era o diretor do EMATER e já tinha essa paixão pelo movimento. Então, a gente propôs e o Governo aceitou. O Adalberto (Pereira) e o Áureo João (diretores do EMATER na época) aceitaram. E a gente foi pra parceria que, até hoje, mudou de gestores, mas aquilo que eles iniciaram hoje na pessoa do (Francisco) Guedes (novo diretor), na pessoa da Laura Emilia (diretora de Educação e Extensão) e de outros... o seu Orlando (coordenador do projeto ATER no Quilombo), continua pelo que foi iniciado pelo Adalberto e pelo Áureo João.

ASCOM/EMATER - Na sua fala durante o evento, a senhora chamou à atenção para algumas entidades que são estratégicas como o INCRA e o INTERPI com a questão da terra. Como está sendo o trabalho dessas entidades junto às comunidades?

OSVALDINA - Quando a gente chama atenção é justamente por isso. Qual é o papel do EMATER? É fazer esse levantamento junto à coordenação para a questão das políticas publicas e a seca. Quando o EMATER faz esse trabalho chama para si essas responsabilidades, quando essas ações chegam. Agora, nós temos ações que dependem da terra. Por exemplo, se a comunidade precisa de um colégio, ou a necessidade é um poço artesiano e não tem o titulo da terra!? Quem é responsável é o INCRA. Por isso, a gente está chamando à atenção. Por que está tendo muitas ações de infra-estrutura que estão chegando às comunidades e umas comunidades estão ficando de fora por que não temos de fato o titulo da terra. Isso é de responsabilidade do INCRA do INTERPI. Enfim, é por isso que a gente diz que todas as instituições do Governo Federal e Estadual são responsáveis por essa qualidade de vida pra comunidade quilombola. Mas, o INCRA, a FUNASA, o INTERPI, a FUNDAC são de responsabilidade muito fundamental.

ASCOM/EMATER - Gostei muito quando vocês fizeram a conclamação “a negrada”, e o que é que vocês colocam exatamente nessa conclamação para um chamamento da auto estima desse povo, quais são as informações passadas?

OSVALDINA - Primeiro que nós, os negros e as negras, temos o superior divino, que é o que nos dá energia, força, axé, pra dar continuidade à luta, mesmo com os grandes desafios que nós temos enfrentado desde que botamos os pés nessa terra Brasil. Então, temos assegurado! Por isso é que a gente diz “Vamos lá negrada! Muito axé, negrada!”. Significa dizer... as energias, bater os tambores e dar energia para que a ancestralidade dê essa ajuda, nos assegure, nos confirme. Para que essa luta seja de fato vencida. Então, a nossa expressão é um pouco diferente do comum, mas isso é que nos dá sustentabilidade nessa caminhada, pela ancestralidade. Essa “negrada” é nosso palavreado e nossas estratégias.

27/11/08




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