Entrevista – Eugênio Peixoto
O sociólogo Eugênio Peixoto, Ex-Secretário Nacional de Reordenamento Agrário no primeiro governo Lula, é o consultor do Governo do Piauí para melhorar o atendimento de assistência técnica e extensão no Estado. Além da experiência no governo Federal, Peixoto, é oriundo do Movimento Sindical onde passou muito tempo em entidades, principalmente ligadas à cooperação internacional. Nesta entrevista, o especialista na área de planejamento e desenvolvimento sustentável, elogia o EMATER e acredita na nova diretoria. “A questão é o EMATER elaborar um projeto da sua intervenção, que facilite a captação de recursos lá fora. Isso está muito claro na atual direção. Você percebe que existe uma clareza de onde você quer chegar com o Instituto”. Confira a entrevista:
ASCOM/EMATER - Como esta sendo elaborada essa parceria com o governo do estado do Piauí?
Eugênio Peixoto – Estou atuando como consultor do Governo do Estado, atendendo algumas demandas, a principio, por parte do EMATER, uma relação, também, com o BNB - Banco do Nordeste e a Secretaria de Turismo. A idéia é, como a gente pode atuar, utilizando a experiência que a gente teve no programa de combate a pobreza rural, para ajudar os gestores aqui no Estado à articular melhor, a fomentar melhor, programas estratégicos que fortaleçam o esforço, que já vinha sendo feito pelo estado no desenvolvimento rural, mas também no combate a pobreza. Então, a gente está atuando, primeiro, tentando ajudar a organizar e articular melhor algumas cadeias produtivas aqui no estado, no caso a caprinovinocultura, cajucultura....
ASCOM/EMATER - O que é que tem sido feito exatamente neste sentido?
Eugênio Peixoto – Veja qual é a ação, qual é o foco. O centro é o seguinte: o volume de recursos aplicados pela agricultura familiar pelo PRONAF – Programa Nacional de Agricultura Familiar aumentou bastante. Então, como é que estes recursos, além de simplesmente gerar uma mudança básica nas famílias das pessoas, pode ajudar a estruturar a cadeia produtiva de fato? O Piauí tem um potencial forte na caprinovinocultura, produção de caju, mel e varias questões. Foi feito um seminário aqui em Teresina no mês passado, com a participação do EMATER, o MDA, o BNB, BB - Banco Brasil, dentre outros, em que se trabalhou com muita força a necessidade de qualificação do PRONAF, focando em algumas culturas. A partir disto, a gente está fazendo um trabalho de articulação com os bancos oficiais e com alguns órgãos públicos que podem financiar propostas, no sentido de qualificar a ação do EMATER, a ação dos técnicos do EMATER. Para que eles possam prestar uma assessoria técnica com mais qualidade, que ajude essas famílias a, não apenas, saírem da pobreza, mais se tornarem empreendedores de fato. O que a gente está tentando fazer é ajudar a direção do EMATER a fazer um processo de articulação de forma a viabilizar para que cheguem mais recursos para o Estado para a capacitação dos técnicos, dos extensionistas, e também a capacitação dos produtores, mais muito focada numa atividade produtiva concreta. Como é que, por exemplo, o rebanho de caprinos e ovinos aqui do Estado pode ter melhoria genética? Como é que se pode acrescentar tratos na questão da saúde animal, a questão do controle?
ASCOM/EMATER - Isso vem através da capacitação dos técnicos do EMATER?
Eugênio Peixoto – Isso vem através da capacitação. Nós estamos trabalhando um processo, em que a Universidade Federal do Ceará (que é um dos pólos de referencia em nível nacional na questão da sanidade animal, de caprinos e ovinos) desenvolver todo um processo que, de um lado, viabilize a melhoria da saúde do plantel, mas também a melhoria genética. Quer dizer, a gente precisa, de um lado, agregar uma matriz genética que permita o crescimento da carcaça do animal, melhore a oferta da carne que esta sendo oferecida ao mercado e, paralelo a isso, garantir a saúde deste rebanho para que as perdas sejam minimizadas e o produtor, de fato, possa ter ganhos reais. Trabalhando isso tudo, muito focado no seguinte sentido: é fundamental que o agricultor atenda o mercado, mas atenda o mercado com qualidade, que seja competitivo em todo e qualquer ambiente que esteja trabalhando o comércio da caprinovinocultura, inclusive no mercado internacional. Que é um mercado que se fala muito, mas que as dificuldades efetivas que se tem tido para se atender a suas demandas são muitas. Quer dizer, os animais, ainda não têm uma carcaça de carne o suficiente. Mas, isso é possível de se fazer. Então, uma das ações fortes que a gente vai iniciar a fazer agora, em parceria com o BNB, Universidade Estadual do Ceara, Embrapa, Universidade Federal do Piauí, é priorizar o território da Serra da Capivara. Vamos fazer um trabalho forte de capacitação...
ASCOM/EMATER - Seria uma unidade piloto?
Eugênio Peixoto – Não dá para chamar de piloto por que o Território da Serra da Capivara inclui cerca de 20 municípios. (Um projeto piloto com vinte municípios é muito grande). Mas, digamos que seria um Território de Referência. Um ambiente onde se iria trabalhar com muito mais intensidade, estabelecendo mecanismos e procedimentos que evidentemente teria que se adequar à realidade dos outros territórios. Mais, um ponto de partida. Inicialmente, vamos iniciar este processo com mais densidade lá no território da Serra da Capivara e, evidentemente, depois expandir isso para o resto do Estado onde, obviamente, houver uma vocação para a caprinovinocultura. Há também uma outra agenda do EMATER com o BB para um projeto-piloto no território dos Cocais, que envolve municípios como Esperantina e Batalha, no norte do Estado, também para caprinovinocultura.
ASCOM/EMATER - Em termos de cronograma, como esta este processo?
Eugênio Peixoto – Nos já fizemos algumas reuniões com o BNB em Fortaleza e um seminário aqui e estamos na fase do desenho. A Universidade do Ceará já esta finalizando uma proposta técnica para um projeto de capacitação que será encaminhado pelo EMATER ao BNB que irá financiar, de forma não reembolsável, a parte inicial desta capacitação. Então, acreditamos que agora em agosto, setembro estes cursos de formação dos técnicos, veterinários, agrônomos e técnicos agrícolas já estarão acontecendo em campo.
ASCOM/EMATER - Além destes procedimentos tem mais alguma estratégia?
Eugênio Peixoto – A questão é:a partir da necessidade de qualificação do PRONAF e de assistência técnica e extensão rural se começar a desenhar outras atividades, outras oportunidades de negócio para a empresa pública, para o EMATER. Por exemplo, existe uma demanda forte do Governo do Estado para uma atuação na área do turismo. Mas, uma perspectiva de um turismo não como apenas uma atividade que gere enclaves e que acabe concentrando renda e gerando riquezas para poucos grupos. Mas, por exemplo, como fazer para que, com a construção do aeroporto de São Raimundo Nonato, para que as populações que vivem naquela região (os agricultores, os comerciantes e a sociedade local) possam se beneficiar do incremento de um fluxo turístico lá? Não, simplesmente os empresários que, por acaso, vão lá construir um hotel, resort ou um campo de golfe. Então, um trabalho forte que se está fazendo, também, é no sentido de o EMATER, junto com as universidades, fazer um levantamento daquelas populações e das necessidades de capacitação e qualificação profissional numa parceria com a Secretaria de Turismo, através dos recursos do PRODETUR, que é um projeto do Banco Interamericano, que é gerido pelo Estado, para que a gente possa também ampliar esta ação de desenvolvimento, de articulação institucional, ainda no meio rural mas, não simplesmente, com a agricultura. Mas, também, com atividades não agrícolas ou de abastecimento do traide turístico ou restaurantes que, por acaso, venham a ser constituídos. Este é um lado....
ASCOM/EMATER - A presença do senhor vai influenciar na busca de recursos para o desenvolvimento destas atividades?
Eugênio Peixoto – Nós estamos trabalhando em algumas frentes: Via bancos, via MDA e, também, via Instituto Nacional do Semi Árido, Ministério da Ciência e Tecnologia. A questão é o EMATER elaborar um projeto da sua intervenção, que facilite a captação de recursos lá fora. Isso está muito claro na atual direção. Você percebe que existe uma clareza de onde você quer chegar com o Instituto. Então, fica mais fácil fazer este tipo de trabalho. A gente imagina que, no curto prazo, já vamos conseguir captar recursos tanto dos bancos públicos quanto do MDA com o Instituto do Semi – Árido, para articular e, digamos assim, integrar o EMATER com as demais ações que o Estado vem fazendo a nível do meio rural no Piauí. O importante é isso. Quer dizer, o EMATER pode ser um instrumento que, de fato, permita uma articulação de esforços. É uma empresa que tem uma capacidade instalada, tem um corpo técnico, tem capilaridade, tem acúmulo, tem um capital intelectual consistente nos seus quadros. O que é necessário é que esse trabalho de fato avance no sentido de dar um salto qualitativo. O Governo do Piauí pegou o EMATER num processo de quase total abandono, uma instituição sucateada. Foi feito um esforço forte de reestruturação. Agora é o momento de realmente qualificar, de dar o salto de qualidade no resultado das suas ações. Quer dizer, que o EMATER seja de fato um instrumento estruturante, de uma alternativa de desenvolvimento sustentável para as regiões rurais do Estado. E a gente observa que o Instituto tem condições para isso. O que é necessário apenas é uma maior articulação institucional com os demais órgãos que atuam no estado, evidentemente uma captação de recursos que permita complementar o aporte que já e feito do orçamento Estadual, no sentido de, de fato, atender as demandas. O Piauí, apesar do esforço concentradíssimo do governador Wellington Dias, neste primeiro mandato, de fato é um Estado com um nível de desigualdade social muito grande. Então, apesar de ter sido feito muita coisa, ainda tem muito para se fazer. Esse é o grande esforço do EMATER agora.
ASCOM/EMATER - Como foi a sua experiência no Ministério do desenvolvimento agrário?
Eugênio Peixoto – Foi uma experiência muito interessante. Por que, a maior parte das políticas que estão sendo executadas pelo governo, já vinham sendo trabalhadas, construídas e discutidas pelos movimentos sociais. Então, você vim do movimento social, de um processo de construção e disputa de instrumentos de políticas publicas e ter a oportunidade de executá-las no primeiro governo do PT, primeiro governo lula, foi de fato uma experiência muito rica. A gente pode acumular muito...
ASCOM/EMATER - Você ficou os quatro anos seguidos?
Eugênio Peixoto – Foram quatro anos e três meses. Foi um processo muito rico. É aquela história, você poder ver as dificuldades e as potencialidades da ação publica.
ASCOM/EMATER - Quais foram as principais ações que foram feitas?
Eugênio Peixoto – A ação mais forte que a gente realizou lá, sem sombra de dúvidas, foi o Crédito Fundiário. Conseguimos transformar o programa, que era o desejo do movimento social com muita ênfase no movimento sindical. A gente conseguiu transformar de fato num instrumento de política publica, mas consistente, integrado e de fato articulado com o conjunto das políticas publicas de apoio ao desenvolvimento rural
ASCOM/EMATER - Em termos de números gerais, quais foram os avanços alcançados?
Eugênio Peixoto – No final de quatro anos foi algo em torno de 40mil famílias. Um investimento de aproximadamente R$ 1 bilhão, que é um volume de recursos bem interessante. E o que eu acho mais forte é que a maior parte destas operações foram realizadas no nordeste, sendo que o estado que mais se destacou foi o Piauí. Foi o estado com o maior numero de famílias assentadas, algo em torno de 8,6 mil famílias assentadas pelo Credito Fundiário. O que é, na minha opinião, um numero bem elevado.
ASCOM/EMATER - Comparativamente ao ano de 2002, quando foi criado o programa ainda no governo FHC, como estão estes dados?
Eugênio Peixoto – Em 2002, nos tínhamos algumas dificuldades. Tinha um projeto piloto, que foi o “Célula da Terra”, que depois de muita pressão dos movimentos sociais, no Crédito Fundiário. Em 2002 foi algo em torno de 2 a 3 mil famílias assentadas. Foi um numero muito pequeno. E alem disso um processo com alguns vícios: Falta de controle social. A terra é um instrumento muito forte na questão das relações de poder no campo. Então, a partir do instante em que você viabiliza compra de terra, essa é uma questão que mexe com muitos valores. Se você não tiver um controle social efetivo, há possibilidade de que isso seja utilizado para reforçar oligarquias, para estabelecer relações de poder que não condizem com a realidade, fortalecer grupo “A”, grupo “B”. Muitas vezes, o projeto deixava de ser um projeto efetivo de combate a pobreza e apoio ao desenvolvimento para atuar, as vezes, ate como uma imobiliária publica onde o foco era compra terra, e não fazer de fato um processo de desenvolvimento...
ASCOM/EMATER - O senhor tem algum caso específico deste fato?
Eugênio Peixoto – Tem situações que são absurdas. Nós identificamos, por exemplo, áreas indígenas que foram vendidas. Isso é um crime. Isso não poderia ter sido feito. Identificamos uma esperteza muito grande de quem fez a operação, que é o seguinte: foi comprada uma área de mata atlântica com uma declividade maior de 45% graus. Nada impede de vender e comprar, só que você não pode tirar uma folha, uma bromélia daquele lugar. Quer dizer, ações que foram feitas para viabilizar que a terra fosse vendida e não que aquelas famílias que estão se alocando ali, que estão sendo assentadas, de fato tivessem um projeto de vida, de mudança social, de inclusão cidadã...
Por José Marques de Sousa Filho
Assessor de Comunicação do Emater – PI
Fone: 9403-2000